Perfil

Nasceu em 21 de março de 1964, em uma pequena cidade do sertão da Paraíba. Aos cinco anos, seus pais se mudam para Mato Grosso e, depois, para Rondônia.(...)
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Histórico

Medicina Ameaçada

A formação médica vive momentos de confronto entre duas posições em relação à abertura de novos cursos de medicina. De um lado, identificamos posição conservadora e elitista de restrição à expansão, e do outro, posição em defesa da criação de novos cursos em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina.
À margem desta polêmica está a população que necessita de ações básicas, médias e complexas de saúde a serem desenvolvidas por profissionais competentes, éticos e preparados para atuar no processo saúde-doença, considerando as categorias de gênero, etnia e classe social dos cidadãos.
A epidemia de dengue, presente em todo território nacional, revela a crise que acomete o setor saúde. No Estado do Rio de Janeiro, este ano, são contabilizados 110.783 infectados e 92 óbitos. Dentre os vários fatores desta crise, os especialistas destacam a falta de disponibilidade de médicos nas unidades de saúde.
A realidade é séria e merece tratamento ético e sem interferências políticas. Dados do MEC informam que, atualmente, 175 cursos de medicina formam profissionais para atender, de forma integral, cerca de 180 milhões de habitantes distribuídos em 5.562 municípios brasileiros.
Neste cenário, a avaliação da educação superior assume papel estratégico. O MEC deveria conduzir o SINAES, instituído pela Lei 10.861, de 14 de abril de 2004, com respeito aos princípios e diretrizes dessa Política de Estado (reconhecimento da diversidade do sistema educacional, respeito à identidade institucional, compromisso formativo e outros), sem privilegiar o Enade em detrimento das outras modalidades avaliativas (avaliação institucional interna e externa e avaliação de cursos de graduação).
No entanto, constatamos que não tem sido esta a opção do MEC. Voltou a lista de Instituições de Educação Superior e de Cursos de Graduação com conceitos do Enade como a palavra final em relação à avaliação global. É o retorno do “ranking”, que banaliza o processo de avaliação preconizado pelo SINAES. Pior do que o Provão, que também não tinha nenhuma garantia de efetiva participação do alunado, porém era universal. O resultado do Enade representa apenas pequena parcela do corpo discente ingressante e concluinte. O Enade tem como base a extensão do resultado evidenciado pela amostra a todos os alunos matriculados no respectivo curso, o que constitui uma das fragilidades desse tipo de avaliação, crítica apontada por diversos educadores.
Outra ação que revela a opção equivocada é a publicação da Portaria MEC 474, de 14 de abril de 2008, que definiu as novas regras para autorização de curso de medicina, desconsiderando os postulados consagrados pelo SINAES.
Essas regras, detalhadas no instrumento de avaliação do MEC, evidenciam, claramente, a intenção do poder público em não autorizar novos cursos de medicina, independentemente da localização da IES (região, estado e município), das realidades de saúde e de educação (perfil epidemiológico, epidemias, relação candidato/vaga nos processos seletivos das IES etc), da qualidade do projeto pedagógico do curso, do perfil do corpo docente e das instalações físicas. Além de ignorar o histórico da IES e o seu Plano de Desenvolvimento Institucional, aprovado previamente pelo próprio MEC, com a declaração da intenção de abertura de curso de medicina no período de vigência do PDI.
Ao estabelecer regras que emanam de visão idealizada em relação ao Sistema Único de Saúde e elitista em relação à formação do médico, o MEC determina condições irreais e inatingíveis a todas as IES que oferecem ou pretendem oferecer curso de medicina. Chega, inclusive, a conceber que os dirigentes das IES, públicas e privadas, podem intervir no SUS, assim como atende às reivindicações corporativistas de segmentos vinculados ao exercício profissional que defendem a “reserva de mercado” em detrimento da concorrência salutar presente no mundo do trabalho do século XXI. É bom lembrar que essa concorrência exige cada vez mais profissionais com formação generalista, cidadã e ética, valorizando a formação continuada.
O conjunto de indicadores para abertura de curso de medicina impõe para as IES exigências inéditas que não se justificam para formação no nível de graduação e que não encontram respaldo na legislação da educação superior. Como exemplo, a estruturação e a operacionalização do SUS, sistema ainda não implantado integralmente e nacionalmente, são considerados como itens imprescindíveis, mas que anulam todos os critérios específicos da educação superior. São eles: sistema de referência e contra-referência que assegure a integralidade da atenção em saúde, unidades hospitalares de ensino e complexo assistencial, formação nos serviços de saúde entre outros. Outras exigências são o biotério, que atenda plenamente às necessidades práticas do ensino e da pesquisa, perfil do corpo docente com características para atuação em mestrado e doutorado, responsabilidade docente pela supervisão da assistência médica (docentes responsáveis pelos serviços clínicos freqüentados pelos alunos), entre muitas outras.
Além destas disparidades, observamos a falta de clareza em relação aos critérios de análise, ancorados exclusivamente na subjetividade, isto é, no olhar dos avaliadores. A saber: conceito 5 – plenamente definidos; conceito 4 – adequadamente definidos; conceito 3 – suficientemente definidos; conceito 2 – insuficientemente definido e conceito 1 – não explicitam.
Para ilustrar, trazemos questões, com o objetivo de confirmar que essas regras impedirão a abertura e a manutenção de cursos de medicina, independente da qualidade, da necessidade social, das realidades epidemiológica e sanitária e do quantitativo insuficiente de médicos para atender à complexidade da saúde, entendida como condições dignas de vida.
Como as IES podem interferir na estrutura, composição e funcionamento do Sistema Único de Saúde, política regulada pelo Ministério da Saúde e que tem como órgãos gestores as Secretarias de Saúde dos Municípios e dos Estados?
Como cumprir as metas de formação de médicos para atender plenamente à cobertura assistencial em todos os níveis de atenção a partir desta postura restritiva do MEC?
Todas as novas exigências impostas pelo MEC, para abertura e manutenção de cursos de medicina, garantirão médicos com competências para atender a população de forma resolutiva, humanizada e integral e, conseqüentemente, sem dengue no século XXI?
Quais serão as conseqüências dessa política restritiva e autoritária para a saúde da população ao impor exigências que estão além das condições reais e concretas dos setores saúde e educação?
Como as IES podem garantir a implantação, implementação e ampliação das ações básicas de saúde e, principalmente, do Programa Saúde da Família?
Cabe aos educadores defenderem a necessidade do MEC de abrir o debate com ampla participação da população e dos segmentos da educação superior, por meio de audiências públicas e eventos, com o objetivo de responder a estas e a outras questões que não querem calar, assumindo como pressuposto que o importante é a quantidade de cursos articulada à qualidade acadêmica, que não pode ser considerada de forma dissociada da responsabilidade social da educação superior, por não se tratar de um atributo abstrato, mas de juízo valorativo construído socialmente, respeitadas a identidade e a diversidade institucionais.
Nesse sentido, o elemento essencial na questão da qualidade é o projeto pedagógico que possibilite ao aluno aprender a aprender, assumindo os desafios da pós-modernidade, corpo docente qualificado para atuar em nível de graduação e instalações adequadas ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

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