Sociedade do trabalho X desemprego (parte 1)
O Direito do Trabalho é um produto cultural típico da sociedade industrial, na medida em que se separa do Direito Civil e elabora uma concepção teórica original – com um sólido corpo de doutrinas, um aparato legislativo específico e uma independência didática.
Até a década de oitenta o Direito do Trabalho se manteve inalterado sem mudar sua perspectiva teórico-dogmática. A partir da crise da década de setenta, somada ao surgimento e consolidação, na década seguinte, do neoliberalismo – introduzido na era Reagan / Thatcher – suas estruturas começam a ser questionadas. Na década de noventa e na entrada do século XXI, o mundo vive outra revolução que desencadeia transformações significativas nos campos da política, da economia, da tecnologia, do estado e da sociedade. Nesse contexto, alteram-se radicalmente os valores consolidados ao longo do industrialismo e do Estado do Bem-estar.
A economia e as relações de produção passam a mover-se em dimensão planetária e por cima dos estados. As pessoas, a sociedade e o comércio mantêm um nível de comunicação e de informação a partir desse mesmo espaço e em tempo real. Verifica-se, com isso, a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo. A revolução tecnológica produz uma metamorfose no mundo do trabalho na medida em que as máquinas inteligentes e a tecnologia dos “softwears” substituem o trabalho mecânico, provocando o chamado desemprego estrutural e infinitas possibilidades de empregos e rendas não identificadas pela sociedade industrial. Nesse novo cenário os pensamentos filosófico, antropológico, sociológico, econômico, organizativo, da comunicação e da informação convergem para idéia segundo a qual a sociedade pós-moderna atua baseada em valores completamente distintos daqueles que foram estabelecidos na era moderna.
Perante a sociedade do trabalho estabelece-se uma verdadeira ruptura de paradigmas. A tecnologia do conhecimento provoca uma drástica redução dos postos tradicionais de trabalho, origina o aparecimento de distintas modalidades de empregos e rendas e institui a presença de milhões de excluídos – inclusive nos países desenvolvidos.
O avanço no campo da teoria organizacional faz aparecer fábricas descentralizadas, despartamentalizadas e novas formas de produção, além de sofisticadas formas de controles e de mobilidades laborais, além das alternativas direcionadas à flexibilização e desregulamentação. A sociedade do trabalho já não está centrada na idéia do trabalho subordinado, executado prioritariamente no interior das organizações. O sindicalismo operário de vertente reinvidicativa desses mesmos trabalhadores está em crise por causa do desemprego estrutural, da supremacia do trabalho informal sobre o trabalho formal, dos negócios e empresas virtuais e das novas formas de controles organizacionais.
O Estado inspirado nos princípios absolutos da soberania e da territorialidade não tem capacidade para controlar, disciplinar e resolver os conflitos de uma sociedade que se mova à escala global, enquanto as tecnologias da informação e da comunicação criam outros mecanismos de comunicação institucional e relações que se dão também na esfera planetária e em tempo real. Os valores universais que legitimaram os ideais de justiça social e solidariedade foram substituídos pela supremacia agressiva do individualismo utilitarista que impõe suas regras acima da nação-Estado.
Essa realidade está vinculada aos problemas enfrentados por todos os países do mundo e afeta também os países desenvolvidos, conforme os comentários que seguem:
- “Alemanha, 1996. Mais de seis milhões de pessoas não conseguem emprego permanente, número que jamais havia sido alcançado desde a fundação da Alemanha Federal… Tão só as indústrias haverão suprimidos pelo menos um milhão e meio de postos de trabalho ao longo da próxima década” (MARTIN; SCHUMANN: 1998: 11).
- Nos Estados Unidos, “nos próximos anos, mais de 90 milhões de empregos, de uma força de 124 milhões de pessoas, estão ameaçadas de ser substituídas pelas máquinas” (RIFKIN: 1995: 5).
- Um informe do BIT sobre emprego recorda que o desemprego e o subemprego continuavam constituindo uma preocupação prioritária para este final de século. “Um bilhão de pessoas será afetada, ou seja, 30% da população ativa” (SERVIAS: 1998: 81).
“O Instituto Bettelle de Frankfurt, após realizar uma pesquisa acerca dos projetos das indústrias mecânicas do estado de Baden-Wurttemberg, forneceu as seguintes indicações: as máquinas – ferramentas automatizadas – permitem que se dispensem 30% dos operários de produção, ou seja, em total, 13% dos permanentes de uma empresa padrão. A utilização dos robôs de montagem fará, todavia, mais: entre 80 e 90% dos operários de produção, ou seja, entre 50 60% do pessoal que poderá fica em sua casa” (GORZ: 1987: 159).
“A outra causa de preocupação no que corresponde às perspectivas futuras do emprego obedece aos rápidos progressos técnicos que permitem economizar mão de obra e redundam numa nova era de “crescimento sem criação de empregos” (OFICINA INTERNACIONAL DO TRABALHO: 1996: xv).
Inclusive tendo que se distanciar das visões catastróficas apontadas por inumeráveis teóricos que assinalam o fim dos empregos; os prognósticos são inquestionáveis acerca da impossibilidade de retorno à supremacia do emprego formal e de longa duração.
Doutor em Direito, procurador regional do Ministério Público do Trabalho, professor da UFPE (www.blogdojanguie. com.br).